O que são leis suntuárias e para que elas serviam?

Quando a gente aprende sobre leis suntuárias nas aulas de história, parece que está ouvindo falar de algo totalmente descolado da nossa realidade. Mas, se parar para analisar o que são leis suntuárias e o que algumas delas ditaram, a gente percebe que parte dessas regras não está muito distante do que acreditamos hoje em dia.

Leis suntuárias são regras explícitas sobre consumo. Ao longo da história, elas ditaram cores, tipos de sapatos, peças e até repetições de roupas, especificando o que cabia e o que era inadequado para cada classe social. Quem as desrespeitasse, poderia ser punido até com a morte.

As leis suntuárias serviram pra quê, afinal?

A finalidade de cada lei suntuária variava. Mas, no geral, todas elas separavam classes sociais, tentavam ditar hábitos e fomentar o mercado interno.

As leis suntuárias eram tão utilizadas para controlar, especialmente do ponto de vista comportamental, que uma das acusações contra Joana D’Arc, na falta de outras mais sérias e que “justificassem” a pena de morte da guerreira, foi usar roupas ditas masculinas. Dá pra acreditar que na França de 1430 era plausível matar uma mulher por causa disso?

Determinar quais roupas servem só para os homens e quais roupas as mulheres têm que vestir foi só um dos papeis dessas leis. Algumas sequer se referiam às vestimentas, e teve lei suntuária criada pra ditar como deveria ser o funeral dos cidadãos. Aliás, esse tipo sobre os limites das homenagens aos mortos é possivelmente o mais antigo, e há registros dele na Antiguidade Clássica, na Grécia e em Roma.

Ao longo dos séculos, várias leis suntuárias foram criadas. Algumas pegaram, e outras nem tanto.

Não pode repetir roupa

Há quem diga que foi algum rei Luiz, há quem diga que foi Napoleão Bonaparte, que durante o Primeiro Período do Império Francês (1804 – 1815) que decidiu que as moças da corte não poderiam mais repetir roupa. De qualquer forma, a intenção não era transformar cada evento em um verdadeiro desfile a la Bridgerton – embora isso provavelmente tenha acontecido – mas aquecer a economia. Incentivando o consumo, a indústria têxtil francesa estaria protegida e se desenvolveria mais e mais.

Mulher não pode usar calça

Em 1800, logo depois da Revolução Francesa, foi instaurada uma lei que determinava que as mulheres que quisessem se vestir “como homens” deveriam pedir permissão à polícia. Aquelas que desobedecessem à regra poderiam ser presas.

É claro que o real motivo para proibir o uso de uma simples calça era político. As mulheres haviam marchado na Revolução Francesa ao lado dos sans-culottes, ou “sem culotes”, pessoas que simbolicamente utilizavam calças largas de algodão grosso como demonstração de ruptura com a aristocracia – conhecida por usar culottes, calças justas de seda.

Restringir o uso de calças aos homens era, portanto, uma maneira de tolher aquelas mulheres revolucionárias.

Quase um século depois, elas foram liberadas para usar calças quando estivessem andando de bicicleta ou cavalgando – e só nestas circunstâncias!

Sabe quando essa lei caiu? Recentemente, em 2013. Depois de passar os últimos anos esquecida no meio da legislação francesa, ela foi enfim cassada. Na época, a então ministra dos Direitos da Mulher, Najat Vallaud-Belkacem, afirmou que a lei não estava mais alinhada com os valores da França atual.

Eis aí, na história desta lei suntuária, um dos maiores indícios de que não foi a estilista Coco Chanel a grande inventora da calça feminina. Ela só difundiu, em um momento oportuno, a peça que já havia sido usada por outras mulheres, em momentos de conquistas de direitos (mas não só, já que há evidências de calças femininas já na Pérsia antiga). Atribuir a invenção da peça à estilista é desmerecer e desonrar as feministas que vieram antes.

vestido vermelho

Foto de Bruno Salvadori no Pexels

Usar vermelho pode condenar à morte

“Durante muitos séculos a cor da vestimenta não era uma questão de gosto, e sim de dinheiro”, escreveu Eva Heller no livro Psicologia das Cores. Um bom exemplo para ilustrar essa afirmação é o caso da cor vermelha.

O imperador do Sacro Império Romano-Germânico Carlos Magno (742-814) usava a cor vermelha luminosa para demonstrar seu poder e riqueza. Na época, a cor era a mais cara da tinturaria têxtil, tanto pela fabricação, que dependia de uma matéria-prima difícil de conseguir, quanto pela aplicação nos tecidos, que era extremamente trabalhosa.

Conseguir tons luminosos também não era fácil. Os tingimentos eram cheios de impurezas e “limpá-los” era tarefa complicada.

Ciente disso, Carlos Magno mandou pintar o palácio imperial e a catedral onde ficava o trono dele de vermelho luminoso. “Não teria como demonstrar com maior clareza seu poder sobre a Igreja: o que era vermelho pertencia ao Imperador”, escreveu Eva Heller.

Na época, outras cores também eram usadas para determinar status social. O verde era a cor dos pequenos-burgueses. O azul-celeste luminoso era nobre. E o azul escuro era a cor comum das roupas simples do cotidiano.

As pessoas mais pobres só usavam roupas pardas e cinzentas, sem tingimento. E nem os súditos tinham permissão para usar o caríssimo vermelho.

Quem descumprisse a lei suntuária e se vestisse usando essa cor seria executado. E foi assim que surgiu a ideia, que perdura até hoje, de que o vermelho remete a força e poder.

Homem não pode usar sapatos pontudos

Essa é uma lei suntuária que definitivamente não pegou. Até 1480 os sapatos masculinos eram pontiagudos, muitas vezes com pontas exageradamente grandes, no maior estilo Gênio do Aladdin.

As autoridades eclesiásticas e civis da Inglaterra não gostavam dessa moda e tentaram fazer a galera segurar a onda no sapatinho. O rei Eduardo III implementou uma lei suntuária que dizia que nenhum homem poderia usar sapatos com pontas que excedessem 5 centímetros. Quem ousasse extrapolar o limite da pontinha seria multado.

A lei não pegou. No reinado seguinte, de Ricardo II, a moda dos sapatos pontudos voltou com tudo e eles chegavam a ter 45 centímetros só de bico. Essa moda foi fomentada pelo casamento de Ricardo II com Ana da Boêmia, que chegou à Inglaterra trazendo cavalheiros que calçavam sapatos de pontas enormes, que se disseminaram e permaneceram em alta até mais ou menos 1410.

Saias curtas em Hollywood

Esta não é propriamente uma lei suntuária, mas um código de ética para as produções cinematográficas da década de 30. E, como o cinema já nessa época ditava tendências, o que acontecia nas telonas influenciava muito o comportamento de toda a sociedade estadunidense.

Entre 1930 e 1968, todos os filmes tinham que seguir o que preconizava o Código de Hayes, uma cartilha de moral e bons costumes criada para “botar ordem” em Hollywood, que tinha uma imagem de “cidade do pecado”.

No meio de várias outras, havia uma regra em especial sobre as vestimentas femininas. Os vestidos e saias noturnos deveriam ser longos, e durante o dia as mulheres deveriam usar o comprimento demi-molet, ou seja, até o meio da panturrilha.

Na década seguinte o figurino hollywoodiano mudou drasticamente. As saias ficaram mais justas e ganharam fendas, e a ordem era economizar nos tecidos, em virtude da escassez provocada pela guerra.

Entendendo o que são leis suntuárias e qual é a história por trás de algumas delas, fica mais nítida a origem de algumas crenças que temos até hoje. Algumas dessas ideias tidas como verdades absolutas, como aquela velha história de não poder repetir roupa, foram criadas em um momento e um contexto muito específico, e não fazem sentido algum atualmente.

 

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