Estilo é coisa de mulher?

“Mulher adora comprar roupa”. “Só mulher liga pra aparência”. “Tal roupa é coisa de mulher”. A gente ouve frases desse tipo o tempo todo como justificativa da ideia de que estilo é coisa de mulher.

Mas por que é que, culturalmente, tudo o que é referente a aparência e estética cai na conta feminina? Por que a pressão é maior sobre nós do que sobre eles? Quando é que foi decidido que estilo é coisa de mulher?

Para entender de onde vêm os conceitos sobre estilo que vigoram hoje, bora voltar no tempo.

Renda, brocado e maquiagem na França pré-Revolução

Até a Revolução Francesa, a França vivia sob ideais de imagem que incentivavam os homens a usarem maquiagem, renda, veludo, brocado e outros elementos mais trabalhados, que hoje em dia são mais associados ao universo feminino.

Depois da Revolução Francesa, que aconteceu em 1789, passou a predominar um ideal britânico de comportamento, que trazia um tom de sobriedade e foco no trabalho. É claro que isso foi traduzido também nas roupas, e o modo de vestir masculino começou a se tornar mais alinhado ao ideal atual.

Mesmo assim, por muito tempo a aparência masculina ainda foi mais importante do que a feminina. Definitivamente, nessa época, não era verdade que estilo é coisa de mulher.

A roupa como status social

No livro “A moda e seu papel social”, a socióloga Diana Crane conta que por muitas décadas a verba familiar destinada ao vestuário masculino era muito maior, porque o homem saía de casa para trabalhar e tinha uma posição social para afirmar. Em seguida na lista de prioridade de gastos vinha o vestuário das crianças, porque saíam todos os dias para ir à escola. Neste cenário, as roupas e acessórios femininos eram os que pesavam menos no orçamento familiar. Não que não fossem importantes nessa lógica do status familiar, mas como as mulheres basicamente só saíam aos domingos, para ir à igreja, gastavam menos.

Por aí já dá pra perceber que a preocupação feminina com o estilo não é propriamente uma questão de mulheres, né? Ao longo das décadas, o vestuário da mulher e tudo o que o acompanhava tinha essa função de refletir o status social do marido. Tanto que o anel de noivado com a pedra solitária passou a existir e ganhar importância porque era um bem que poderia ser penhorado.

A grife Chanel começou criando jóias e acessórios, e depois é que foi para a roupa e a perfumaria. Esse início não foi à toa, especialmente porque a Chanel misturava joias com bijuterias. A marca cresceu oferecendo itens que as mulheres conseguiam comprar sem ter que pedir permissão para o marido, afinal, na década de 1920 o papel da mulher – no recorte de classes média e alta – ainda estava crescendo na sociedade, e a maioria não ganhava o próprio dinheiro.

Quando a mulher virou o alvo da moda

estilo é coisa de mulher? cena da série pan am

Cena da série Pan Am, que mostra um grupo de jovens mulheres dos anos 50 ocupando um espaço antes masculino

Foi só depois das grandes guerras, entre os anos 1940 e 1950, e por necessidade – já que muitas haviam ficado viúvas – que as mulheres de classe média e alta começaram a entrar pra valer no mercado de trabalho, passando a ter mais poder aquisitivo e de escolha. E a indústria da moda foi se voltando com mais atenção para esse público.

O vestuário do homem não perdeu importância, mas cada vez mais o ideal estético masculino era sóbrio. Já a mulher tinha a referência do glamour, da ostentação, por representar o status social da família, e isso dava a ela – e às marcas – maior liberdade, ao menos no vestir.

Por algum tempo, a entrada das mulheres no mercado de trabalho tinha também a função de ajudá-las a formar uma família. Na série Mad Men, uma cena bem inicial mostra as meninas indo para a empresa, para trabalharem como secretárias e, quem sabe, conhecerem naquele círculo social o futuro marido. Quando isso acontecesse, deixariam a força de trabalho, pois o homem viraria provedor, e elas exerceriam o “papel da mulher”, de cuidar da casa e da família.

Mas é claro que, conforme as mulheres foram entrando no mercado, conhecendo a independência financeira, passaram a dizer “não, obrigada” para aquela vida de rainha do lar. Elas queriam mais. Queriam ocupar espaços, crescer na carreira, subir na hierarquia das empresas e ganhar mais dinheiro, fosse com ou sem marido, com ou sem filhos.

Só que o ser humano é um ser social, né? Todo mundo quer se sentir adequado, quer pertencer. Então, quando você quebra um código aqui, tenta compensar ali. Resultado: elas passaram a torrar dinheiro em roupas.

O desejo de pertencer

A revolução industrial foi um fator importante para o crescimento da indústria da moda, mas também houve a crescente preocupação feminina com a ostentação pela aparência fomentando esse desenvolvimento. Quanto mais a mulher cresce, maior é a exigência com a aparência dela, porque esta é uma medida de controle. É como se a sociedade nos dissesse: “olha, você pode exercer a profissão que quiser, ocupar um cargo no mercado de trabalho em uma posição bacana na hierarquia, pode até escolher se vai ou não ter filhos… Mas tudo tem limite! Você não pode ser totalmente dona de si!”. E aí a mulher percebe, porque fica nas entrelinhas – e eventualmente nas linhas grandes e no título – que se não consumir determinadas roupas, maquiagens e todo um pacote estético, aí ela foi longe demais.

No fundo, a indústria da moda e da beleza cresceu sustentada pelo medo feminino de se tornar pária, de não ser aceita por estar progredindo e conquistando alguns espaços que antes nos eram negados. Criou-se a ideia de que estilo é coisa de mulher, como se já nascêssemos preocupadas com o tema. Mas essa ideia superficial cobre o verdadeiro propósito dos padrões estéticos: funcionarem como instrumento de controle, ainda que vestidos de aliados.

Como tudo isso nos afeta

Você já parou para pensar no tanto de dinheiro, tempo e energia que gasta para manter uma aparência que supostamente é a certa? Seja atualizando o guarda-roupa, comprando maquiagem, tingindo o cabelo… Não quero dizer que aparência não importa – eu sou consultora de imagem! – mas as mulheres sofrem uma pressão muito maior para se adequar aos padrões estéticos. Nós ganhamos substancialmente menos que os homens, e mesmo assim temos um gasto bizarramente maior para manter a aparência.

E aquele gasto “bobo”, que é “só uma blusinha”, é o gasto que pode ser melhor direcionado pra gente crescer na carreira, para não depender de homem nenhum… Afinal, se você não consegue se bancar sozinha e gasta boa parte do seu dinheiro tentando sustentar o que Naomi Wolf cunhou como o Mito da Beleza, então você não tem tanto poder de escolha assim.

A moda e os movimentos sociais

estilo é coisa de mulher? cena do musical Hair na Broadway

Cena do musical Hair, na Broadway

Voltando à história, conforme a onda dos movimentos de liberação se tornou mais intensa, a moda foi ganhando um tom mais unissex, ou genderless. Os anos 60 e 70 tiveram homens de cabelos longos e mulheres de cabelos curtos, batas, calças boca de sino… Elementos confortáveis, que proporcionavam liberdade de movimento e que não eram feitos “para homem” ou “para mulher”, mas para ambos. Para quem quisesse usar.

Só que aí chegou a década de 80, quando a aspiração feminina de ocupar cargos de poder se tornou realidade, e a moda acompanhou esse movimento trazendo de volta não só a divisão de gêneros, como alguns elementos tradicionalmente masculinos para os vestuário das mulheres. O tailleur e as ombreiras, dois ícones da década, no fundo nos lembravam da posição de sexo frágil e diziam: “Você quer ocupar esse cargo? Ok, mas então não pode ser uma mulher, tem que trazer algo supostamente masculino”. O terninho feminino remetia à sobriedade da estética do homem, e as ombreiras davam ao corpo um formato menos curvilíneo e mais quadrado, alargando os ombros das mulheres para ficarem mais parecidos com os dos homens.

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Afinal, estilo é coisa de mulher?

Em essência, estilo não é exclusividade feminina. Nós, seres humanos, somos seres visuais, independentemente de sexo, gênero ou qualquer outra distinção. Todo mundo – todo mundo mesmo! – tem estilo e todo mundo projeta algo pela aparência.

Mas essa perspectiva histórica nos mostra que, se hoje a questão da imagem pesa muito mais para as mulheres, é só porque nós começamos a ocupar mais espaços – e precisamos ter isso sempre em mente quando reproduzimos alguns padrões. Então, respondendo à pergunta que desencadeou essa reflexão: estilo não é coisa de mulher. Estilo nem é a nossa única forma de expressão. Mas é uma maneira bem poderosa de se comunicar, e isso vale tanto para mulheres quanto para homens.

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