código de vestuário

Código de vestuário da empresa: eu tenho que seguir?

Durante muito tempo, o ambiente profissional foi encarado de maneira super tradicional e conservadora. Até nas revistas sobre o tema, a imagem que se fazia de uma empresa – qualquer que fosse a área de atuação – era de um ambiente rigoroso e cheio de regras. Entre elas, as de vestimenta, compiladas em um código de vestuário.

A imagem do profissional de roupa social super alinhada, sem nenhum botão da camisa aberto, no maior estilo George McFly – o cara certinho e pai do protagonista Marty McFly em De Volta Para o Futuro – ainda é a realidade de alguns escritórios. Mas já tem muita gente – e muitas empresas deixando no passado (sem trocadilhos com o filme) a ideia de que esse é o visual obrigatório do bom profissional.

A flexibilização do código de vestuário

Aos poucos, essas ideias mais padronizadoras têm mudado, tanto na cultura das empresas quanto na sociedade. Lembra de quando sua avó dizia que se você fizesse tatuagem nunca ia conseguir um emprego? Hoje em dia está cheio de executivas e executivos super tatuados e super respeitados e ninguém mais questiona – ou não deveria questionar – a competência e seriedade deles por causa disso.

A real é que mesmo antes da pandemia, muitas empresas já vinham adotando uma política mais maleável para as vestimentas dos profissionais, e isso vai além da casual friday. Algumas passaram a adotar o “bermuday”, um dia da semana em que tá liberado ir de bermuda para o escritório – uma maneira de descontrair e também de suavizar o calorão do alto Verão brasileiro. E aí, em 2017, a IBM virou notícia por liberar permanentemente a bermuda, o tênis e a sandália rasteirinha entre os funcionários. Desde então, vira e mexe aparecia uma reportagem sobre empresas liberando uns looks mais despojados e que até pouco tempo não eram bem vistos nestes ambientes de trabalho – desde que os funcionários continuem respeitando o dress code dos clientes.

pessoa usando laptop

Imagem: Christin Hume via unsplash

Para que serve um código de vestuário?

É claro que as empresas não flexibilizam ou até abolem o código de vestuário só porque são boazinhas. Há um posicionamento de marca nessa atitude, assim como há um posicionamento de marca quando o RH entrega uma lista enorme de “não podes” e é super rigoroso com cada regra sobre o que vestir.

Do mesmo jeito que você tem a sua identidade como indivíduo, a empresa que você trabalha também tem a identidade dela. Então, é esperado que a maneira como os contratados se apresentam para as outras pessoas, principalmente para os clientes, esteja alinhada com a mensagem que a marca quer colocar para o mundo.

Em uma agência de publicidade, por exemplo, uma pessoa da equipe de criação dificilmente vai se reunir com um cliente vestindo terninho azul marinho e camisa branca abotoada até o pescoço. Não deve ser expressamente proibido se vestir assim em uma agência de publicidade, mas a formalidade e a rigidez das peças são recebidas quase como uma auto declaração de que a pessoa não se encaixa naquele ambiente de criatividade e expressão de ideias.

Por isso, os RHs costumam informar os profissionais, durante a contratação, sobre o dress code da empresa. Não são proibições nem obrigações, mas uma orientação para a pessoa entender a cultura da empresa e, a partir dessa informação, encontrar maneiras de se adequar.

Já o código de vestuário, aquela lista de regras que obrigatoriamente têm que ser seguidas, deve ser – mas nem sempre é – para a segurança dos funcionários. Orientando, por exemplo, a não usar sapatos abertos se a pessoa trabalha em fábrica, para não se machucar. Ou, ainda, pedindo que não passe esmalte nas unhas nem deixe a barba grande caso trabalhe manuseando alimentos – para evitar contaminações.

Se algum item de vestuário for obrigatório, como uma camisa da cor tal, a empresa tem a obrigação de fornecer aos profissionais, pois a peça adotada torna-se um uniforme.

Todo código de vestuário faz sentido?

código de vestuário

Foto de PICHA Stock no Pexels

Seria maravilhoso se tudo fosse simples e cada um tivesse a aparência que quisesse, aliando a própria personalidade e objetivos à cultura da empresa com liberdade, sem restrições absurdas. Mas no mundo real não é assim que a banda toca.

Em 2020, a recepcionista de uma clínica médica virou notícia quando foi demitida por se recusar a tirar as tranças do cabelo. Karina Carla estava fazendo transição capilar e voltou de férias com as tranças, que a estavam ajudando no processo. A ex-chefe de Karina tirou uma foto do cabelo novo da recepcionista e enviou para uma consultora de imagem que estava prestando serviços para a clínica.

A consultora, por telefone, constrangeu Karina e solicitou que tirasse as tranças porque eram “informais demais” para o padrão da empresa. A recepcionista argumentou que aquele cabelo faz parte de quem ela é, não cedeu, e pouco depois foi demitida do emprego.

Karina Carla, com razão, processou a empresa e ganhou a causa. O juiz fez questão de destacar no veredito o racismo velado da sociedade.

Por histórias como essa, eu não tenho dúvidas de que nem todo código de vestuário faz sentido e nem toda regra deve ser seguida. Algumas – como essa, da clínica médica – são racistas, ofensivas e desrespeitosas.

Muitos de nossos conceitos têm ideias eurocêntricas como base. Ideias excludentes que tomam como obrigação se adequar a um padrão que sequer tem lógica ou justificativa plausível para ser um padrão. Então, com certeza há outras empresas além da clínica onde a Karina trabalhava propagando preconceitos no código de vestuário e há outras funcionárias comprando uma briga pelo direito a manifestar a própria cultura e personalidade.

Vale desrespeitar o código de vestuário da empresa?

código de vestuário

Foto de Anna Shvets no Pexels

Eu não acho que você é obrigada a fazer o mesmo. A Karina não cedeu ao constrangimento imposto, mas foi demitida e precisou resolver a questão na justiça. E eu sei que nem todo mundo dá conta de enfrentar tudo isso, ou tem essa possibilidade no momento.

Mas eu não posso deixar de manifestar aqui o meu incentivo às mulheres que ocupam postos que possibilitam entrar nessa briga em uma posição mais “de igual pra igual”.

Um caso mais ou menos recente é o do Festival de Cannes. Em 2015, uma produtora de cinema que não consegue se equilibrar em um salto alto por ter parte do pé amputado foi barrada no tapete vermelho do festival. Outras mulheres relataram o mesmo: foram constrangidas e barradas por não usarem salto alto no evento.

No ano seguinte, a atriz Julia Roberts tirou os sapatos e atravessou o tapete vermelho do festival descalça, em protesto. Outras atrizes de Hollywood, como Kristen Stewart, fizeram o mesmo. Quem teria coragem de retirá-las do tapete vermelho por causa de um sapato? Restou à organização do festival um pedido de desculpas pela presepada do ano anterior.

Só você sabe o que está em jogo para você e se é possível quebrar uma regra da empresa de maneira estratégica. Mas, se você tem algum poder e algum tipo de influência, mesmo no seu microuniverso, eu realmente acho que vale você cogitar comprar algum tipo de encrenca como essa.

Nós estamos no século 21 e continuamos às voltas com problemas que deveriam ter sido resolvidos há anos. E se eu posso falar disso agora, é porque alguém comprou uma encrenca antes de mim para que eu hoje tenha essa liberdade de expressão. Então, sempre que possível, sejamos um pouco como Julia Roberts e Karina Carla. Se não por nós mesmas, então para honrar as que vieram antes e pavimentar o caminho para as que vierem depois.

 

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